segunda-feira, 5 de julho de 2010

A PEREGRINAÇÃO DO PÉ SUJO

Esse conto foi feito por mim em homenagem à todos os Mendigos,que nunca tomaram banho na vida.
MAGNUN



Um mendigo certa vez acordou com uma obsessão na cabeça.
Queria por queria tomar banho. Ainda se lembrava de seu último banho, quando sua mãe o amarrou e jogou água quente.
Isto foi há mais de vinte anos.
Mas agora, isto o está incomodando. Não suportava mais ver as pessoas correrem, quando ele se aproximava.
Mas havia um problema.
Não tinha casa, nem roupa limpa, muito menos um sabonete ou uma bucha.
Mas encasquetou que tinha de limpar a sujeira.
Ficou o dia inteiro na porta do supermercado apenas pra ganhar um sabonete.
Depois de muito esperar, uma alma penada jogou um sabonete no seu colo.
-Graças a deus.
-Obrigado, senhora.
Como já estava tarde, deixou pra o dia seguinte.
Ainda tinha que dormir no lixão.
Foi uma noite tranqüila, como tantas outras.
Levantou-se bem cedinho.
Tinha que tomar banho.
Lembrou-se do lago do chafariz. Lá tem muita água.
Foi a pé claro, pois era o único meio de transporte que dispunha.
Ao se deparar com tanta água, seus olhos brilharam.
- É hoje.
Tirou a roupa e ameaçou pular na água.
Não deu certo.
A Polícia chegou e lhe aplicou um corretivo.
Na ânsia, esqueceu que tinha muita gente olhando.
Levantou-se, pegou os trapos que ainda tinha, catou o sabonete e se mandou.
Ficou pensativo. Aonde conseguiria tomar um banho.
Lembrou-se do lago do Goiânia shopping.
Lá é muito grande. Entro pela mata tomo o banho e saio correndo, e ninguém vai ver.
E assim o fez.
Pulou na água, se esfregou, passou sabonete e aparentemente ficou limpo.
Aparentemente...
Trocou os trapos que ainda tinha, mas continuou fedendo.
Agora com um odor apimentado com peixe podre.
A coisa havia piorado.
As pessoas não chegavam nem perto, porque era insuportável.
Pegou o sabonete e foi embora.
Lembrou-se do córrego do Botafogo.
Chegando lá, resolveu se jogar de roupa e tudo no córrego, afinal de contas, a roupa estava suja mesmo.
Se esfregou, passou sabonete, secou a roupa e pronto, achava que estava limpo.
Achava...
O Lago é um dos mais sujos de Goiânia. Recebia esgoto de tudo quanto é lado.
Continuava fedendo.
Foi embora ainda com a metade do sabonete em mãos.
Lembrou-se que tinha o Córrego do Capim Puba.
Desta vez também não se importou.
Entrou de roupa e tudo.
Ficou mais uma hora dentro d’água.
Água suja, cheia de espuma, sacola de detritos, até tinta apareceu no corpo do pobre rapaz.
Enfim, continuava sujo.
Foi embora desolado, mas ainda com o sabonete na mão.
Lembrou-se do lago das rosas.
Saiu rapidamente.
O caminho era longe.
Nem ele próprio estava suportando mais o cheiro.
-Isto deve ser ruim para a saúde.
Pensava ele.
Entrou pelo portão principal. Todos os Guardas ficaram de olho nele.
Esperou por mais de meia hora, rodeou, passou pelo outro lado do Lago, e quando todos se descuidaram, não pensou duas vezes, pulou na água com roupa e tudo.
Só pulou.
Deu de cara com um Jacaré de mais de dois metros. Saiu da água correndo.
Continuava sujo.
Quanto mais entrava em água, mais insuportável era o mau cheiro.
Estava desolado.
Mais ainda estava com um pedacinho do sabonete em mãos.
Não tinha mais pra onde ir.
Cochilou alguns minutos, e acordou assustado.
-Claro. Como não pensei nisso antes?
O Rio Meia Ponte.
Dizem que é o lugar que mais tem água em Goiânia. Deve ser limpa porque todo mundo em Goiânia bebe água de lá.
Mas era longe. Como chegar lá?
Uma idéia veio na sua cabeça.
Pegou um pneu usado, voltou ao Córrego de Botafogo, subiu no pneu e o deixou à deriva.
Lembrou-se das histórias, que lia antigamente, das revistas Francesas e Italianas, das lindas paisagens que muitas vezes faziam seus olhos brilharem.
Fazia de conta que estava passeando de barco cercado de flores e árvores, tudo muito bonito.
Acordou de seu devaneio quando o pneu se chocou com uma sacola cheia lixo.
Olhou em volta, e viu que o Rio se aproximava. Pegou o caco de sabonete e se preparou para pular.
Maravilhou com o que viu.
Era muita água.
Até que enfim iria se lavar.
Entrou na água com muito cuidado, pois poderia se afogar.
Pegou o sabonete se esfregou, entrou na água, deu de ponta, nadou por algum tempo até se cansar.
Pensava que estava limpo.
Pensava...
Quando ele entrou na água, nem passou pela cabeça que aquela parte do Rio estava praticamente morta.
Era ali que o Rio recebia todos os detritos da cidade de Goiânia.
E ainda existiam nas cercanias do Rio, as Indústrias de estrumes, curtumes e tantos outros dejetos.
Foi embora mais fedendo do que antes.
Não se conformava.
Perdeu o sono pela primeira vez na vida.
De manhã passou na banca de revista e leu uma manchete falando que o povo Brasileiro era um povo muito solidário.
Será que alguma pessoa abriria as portas da casa para um pobre coitado tomar um “simples” banho?
Como estava na região Noroeste da cidade, ficou por lá mesmo.
Bateu na primeira porta.
A mulher ao avistar o mendigo, lhe bateu a porta, não dando nem chance de abrir a boca.
Foi pra segunda casa.
O Homem que atendeu até que o escutou, mas balançou com a cabeça negativamente.
-Aqui não, vai empestear minha casa.
Na terceira casa uma senhora abriu a porta e deu-lhe uma vassourada sem nem mesmo abrir a boca.
Estava desanimado.
Se pelo menos as pessoas o escutassem.
Mas ninguém tem tempo pra escutar nada.
Se estivesse lá para entregar um prêmio ou uma medalha, certamente não o receberiam.
Bateu na quarta casa.
Era um casal de velhinhos muito pobre.
Abriu as portas para o pobre coitado entrar. Deram água para beber, ouviram atentamente sua história, mas não podiam ajudá-lo, porque já faz algum tempo que a água da casa foi cortada.
Agradeceu e foi embora. Ainda estava bastante sujo.
Tentou um prédio, onde tem muita piscina, muita água, quem sabe tem rico de bom coração.
No primeiro, o porteiro o escorraçou e ameaçou chamar a polícia.
No segundo, os seguranças do prédio deram a maior surra no infeliz e ainda o jogou num contêiner cheio de lixo que ficava do outro lado da rua.
Como já estava escurecendo, resolveu pernoitar por lá mesmo.
Definitivamente desistiu.
Não tinha como tomar banho em Goiânia.
Só restava uma saída.
Esperar mais uns quatro meses até chegar a temporada de chuva.
E assim fez.
O tempo passou, vieram os primeiros pingos, lá pelos meados do mês de Outubro.
Estava no Centro de Goiânia e ouviu dizer que estava chovendo na região Noroeste da cidade.
Correu para lá, mas não encontrou nem sinal mais da chuva.
O céu estava escuro pelos lados da região sul.
Foi o mais rápido possível, iria chegar antes dela. Desta vez não escapava.
Chegando ali perto do Cepal, ficou esperando. Não tinha erro. Iria chover mesmo.
Vieram as primeiras pedras.
Ah não. Não é possível.
Até Deus?
Será que Deus também não quer que ele tome banho?
A chuva de granizo caiu por mais de uma hora seguida, deixando as ruas alagadas de gelo.
Não teve coragem de entrar na enxurrada, porque estava muito forte e existiam muitos bueiros. Já havia escutado muitas histórias de pessoas que foram arrastadas pra dentro do bueiro indo parar lá no Jardim América ou no Rio Meia Ponte.
Não, é melhor ficar sujo e vivo.
Desistiu de vez.
O tempo da chuva passou e o mendigo passou batido.
Água agora só pra beber, ainda assim se derem pra ele.
“O Planeta terra tem 75% de água. O Brasil tem a maior reserva de água doce do Planeta”.
MAGNUN, que ficou com a boca seca.

2 comentários:

Denise disse...

É de se pensar.. eu escovava os dentes com a torneira aberta, demorava um tempão no chuveiro e nem ligava, mas hoje, não importa onde eu esteja,eu economizo água e energia, porque um dia isso tudo vai acabar.
Muito boa a crônica, ótima!
beijo!

Ana Maria disse...

Adorei sua crônica.
Beijinhos!