quarta-feira, 27 de julho de 2011

A ÚLTIMA LÁGRIMA- DO MAGNUN

Era uma lágrima triste, apenas uma gotinha, mas já cansada de ver suas irmãs rolarem pelo rosto abaixo, sem ao menos esboçar um desejo de luta.
Era muita indiferença com um rosto que durante a vida toda, transmitia alegria.
Era apenas uma lágrima.
Ela tinha consciência que estava ficando sozinha, mas iria lutar até o fim.
Jamais deixaria desamparado aquele corpo que só lhe deu prazer e harmonia.
Sabia que seu tempo era curto, mas desistir jamais.
E não caía.
Mas era apenas uma lágrima.
Percebeu que o corpo estava cansado e as forças estavam minando.
O rosto já não tinha aquela beleza, aquele olhar alegre, divino.
Há muito perdera a cor rosada.
Mas ela não caía.
Nos olhos incrédulos da vida derramavam suas últimas gotas de esperanças.
Mas ela não.
Ela não iria cair.
Cumpriria sua missão até o fim.
Não se entregaria.
Ficava muito triste de ver suas gotinhas irmãs caírem e a abandonarem à própria sorte.
Mas não iria chorar.
Ainda confiava em seu Criador.
Era uma gota jovem, mas experiente na vida.
Já chorou muito, por isso estava calejada. Já tinha passado por todos os percalços que a natureza e o destino tinham lhe reservado.
Mas ela não.
Ela não iria cair.
Era apenas uma lágrima, mais era teimosa e persistente.
Achava que não havia chegada a sua hora.
O corpo pedia socorro.
Os olhos marejados, já não sorriam e nem choravam, porque só havia uma lágrima.
E era ela.
Por tantas vezes fraquejou.
Foram vários, os momentos que chegou até o último suspiro da vida e recuou.
Já chegou a tocar o rosto, mas faltou-lhe coragem de descer.
Sabia que se caísse não voltaria mais.
E o corpo dependia dela.
Tudo dependia dela.
Quantas vezes ela sofreu calada e sozinha, vendo tudo desmoronar, mas agüentava forte.
A vida dependia dela.
Ninguém mais se importava com aquele corpo desfalecido, com aqueles olhos já quase secos, sem lágrimas, mas ela não, jamais o abandonaria.
Não iria cair.
Ficaria até o fim.
E foram as últimas esperanças.
Caíram as últimas gotas da vida.
Desapareceram todos os sinais de alegria que ainda restavam naqueles olhos.
Mas ela não.
Ela não caiu.
Ficou sozinha.
E pela primeira vez chorou.
A lágrima chorou.
A vida lhe tinha virado as costas.
Mas uma vez pensou em acabar com tudo e se entregar de vez.
Era seu destino cair.
Era seu destino secar.
Um dia teria que cair mesmo.
Um dia teria que secar, era a lei da Natureza.
Isso tudo passava pela cabeçinha sem miolo da lágrima.
Em meio a todos esses pensamentos, rolou até a beira dos olhos.
Olhou para baixo.
Pediu desculpa a si própria, ao rosto e ao corpo.
Os olhos por um momento piscaram.
Foi o suficiente.
Ainda fraca, sentiu vida dentro de si mesma e se fortaleceu.
E a última gota não caiu.
Por uma fração de segundos aqueles olhos se fecharam.
Era o momento da lágrima se recolher.
Não queria mais cair.
Mas estava cansada.
Enquanto os olhos se fechavam, a lágrima adormeceu.
Não se sabe por quanto tempo.
O corpo pensando que estava sozinho expirou. Seu rosto perdeu a cor, os olhos perderam o brilho da luz, nada mais se podia fazer.
Já não mais se mexia.
Um silêncio profundo tomou conta daquele momento.
Ouviam-se vozes e gritos de desesperos ao longe, mas não se sabia ao certo de onde.
Tinham muitas pessoas chorando, disso ele tinha certeza.
Era um corre corre danado.
Isso acordou a última lágrima.
Ela ainda estava naquele corpo.
Seu choro foi dolorido mais contido.
Como pôde acontecer?
Não estava presente na hora que o corpo mais precisou dela.
Tudo estava escuro.
Sentiu medo e raiva de si mesma.
Ela que estava presente na hora do nascimento, se preparou à vida toda por esse momento e na hora do fim, esteve ausente.
Agora precisava cair e secar.
Não tinha mais nada a fazer.
Estava escuro.
Não sabia o caminho.
A lágrima chorava.
Do lado de fora, uma Mãe se debruçava junto ao corpo sem vida.
Chorava muito.
Eram lágrimas sofridas, eram lágrimas de Mãe.
Por um momento, sua mão tocou o rosto de seu Filho e num instinto materno, daqueles que só uma Mãe tem, sentiu suas mãos quentes e úmidas.
Com a ponta dos dedos, abriu lentamente as pálpebras dos olhos de seu Filho.
Foi o suficiente para última lágrima rolar.
Sem forças, ela desceu bem devagarinho sobre a face do corpo inerte.
Queria se mostrar. Queria estar presente.
Parou por alguns segundos, olhou no fundo dos olhos da Mãe e nesse momento, sentiu a presença de Deus.
A Mãe percebendo isso sentiu que seu Filho ainda estava vivo.
Tinha visto uma lágrima cair.
Era ela.
Era a última lágrima.
Era a lágrima da vida, a lágrima do amôr.
O corpo foi levado para o Hospital e após longo tratamento, voltou fortalecido pra vida.
As lágrimas tinham se renovado com ele.
Sua Mãe voltou a ver a vida com outros olhos, com outras alegrias, com outras lágrimas.
A última lágrima pôde enfim cair em paz.
Tinha se fechado o ciclo da vida.
MAGNUN

Um comentário:

Ana Maria disse...

Fui lendo e as lágrimas foram caindo. Vista cansada e emoção.
Lindo! Beijinhos!