terça-feira, 22 de março de 2011

JOGANDO CONVERSA DE MORTE FORA

A conversa durou horas e horas entre os dois amigos.
-Zé, esse negócio de morrer num é bão não, né?
-Olha Tião, desde pequeno eu tenho medo desse troço.
-Como será lá que é lá em cima?
-Como cê sabe que é lá em cima?
-Uai e num é não?
-E se for lá em baixo? Já ouvi dizer que o tal de inferno é lá no fundo da terra.
-Tião será que na hora da morte a gente sofre?
-Acho que não.
-Será que dói?
-Quem já morreu falou que num dói não. Cê já viu alguém que morreu voltar pra falar?
-A minha Mãe uma vez disse que ouviu do seu Avô, que um amigo dele tinha morrido e chegou até à ir lá em cima, mais resolveu voltar porque ficou com medo.
-Zé será que nós vai demorar morrer?
-Ocê eu não sei não Tião, mais eu num vou morrer tão cedo não.
-Ainda quero viver muito anos.
O papo rola solto entre os dois amigos e a conversa não muda muito de assunto não.
-Tião, quando a gente morre alguém fica esperando na porta?
-Como vou saber Zé, eu nunca morri.
-Como será Deus?
-Ahhh, esse eu conheço bem.
Desde pequeno a minha mãe fala que ele é muito bom.
-Porque será que ele não vem pra terra viver com nós?
-Ah Tião, diz que ele é muito ocupado e não tem tempo.
O povo fala que cada pessoa tem um anjo de guarda mais eu nunca vi o meu.
-Zé, quando a gente morrer vamos combinar de ir juntos?
-Uai Tião, se depender de nós, nós vai sim, no mesmo caixão.
-E se um de nós for para outro lugar?
-Nós imbirra e finca o pé.
Nós tem que ir pro mesmo lugar.
-Se eles querer separar nós, nós volta.
-Será que pode voltar?
-Deve poder.
-Eu num fico sozinho lá nem...
Já era altas horas da noite e o papo altamente positivo ia de vento em popa.
-Como será que eles combina quem vai morrer?
-Zé eu acho que é no palitinho.
-Será?
-Não, eu tô é brincando, lá no céu num tem nem palito.
-Ué num tem palito lá não?
-Como eles palita os dentes?
-Tião seu bobo, morto num tem dente não.
-E eles nem comem não.
-Uai eles passa fome lá?
-Então eu num quero ir não.
Eu num fico sem costela de Porco de jeito nenhum.
-Zé no céu num tem Porco não, é proibido.
-Proibido?
-É, Porco tem mau espírito.
-É?
-Eu num sabia disso não, como cê sabe disso tudo?
-Isso a gente aprende é com o tempo, Zé.
-Mais num podia ter nem um macarrãozinho não?
-E pequi?
-Ah não, se não tiver pequi aí é que num vou mesmo.
-Esse povo lá de cima pode arrumar outro pra morrer, porque sem comer eu não morro.
-Zé deve de ser bão é morrer na cadeira elétrica né?
-Porque Tião?
-É porque a gente morre sentado.
-Mais e o choque será que num dói não?
-Ih eu tava esquecendo do choque.
-E se morrer dormindo, será que a gente chega lá dormindo ou acordado?
-Ah Zé, agora eu tou com medo de dormir.
-Tião, tem gente que já morreu de injeção.
-Uai injeção mata?
Eu tomei muitas quando eu era menino e nunca morri não.
-Minha Avó falava num tal de espírito.
Dizem que lá em cima a gente só tem esse negócio de espírito.
O que é isso?
-Ah é um morador que fica dentro da gente a vida toda e quando a gente morre, ele vai junto.
-Ne mim num tem ninguém dentro não, Tião.
-O meu Avô não mente e ele diz que todo mundo tem.
-Eu num tenho, eu tenho certeza.
-Será que esse espírito num é espião de Deus aqui na terra não?
-Ahh num é possível.
Eu já fiz tanta coisa escondida de Deus e se isso for verdade eu tô lascado.
-Eu num acredito nisso não.
O papo de Zé Antunes e Tião Patrício foi até de madrugada e quanto mais eles conversavam, mais o sono sumia.
-Tião quando nós morrer, vamos morrer pegado nas mãos, porque eu tô com medo.
-Zé, mais aí nós vai parecer boiola.
-É verdade, mais nós é muito amigo e amigo, num larga o outro na mão.
-Já pensou nós chegar lá no céu de mãos dadas? Ahhh não.
-Tião será que nós vai ser do agrado do São Pedro?
-Ahh, com certeza porque ele gostava muito de pescar.
-Ah então nós tá na fita porque é a coisa que mais gosto de fazer é pescar.
-Esse tal de São Pedro não é aquele que ouviu o Galo cantar três vezes?
-É, é ele sim.
-Mais num foi ele que negou Jesus Cristo três vezes?
-Foi sim.
-Ele num é bandido não?
-Não, ele foi perdoado.
-Mais já tá tomando conta das chaves do céu?
-Tá.
-E aquele tal de Judas Cariocas?
-Zé, ele num é Carioca não.
Ele nem é Brasileiro.
-Será que ele tá lá?
-Num sei não, será que ele num foi perdoado não?
-E aquele que só queria ver para crer?
-Esse tá lá.
-Ele agora acredita?
-Deve acreditar, porque senão num tava lá.
-E aquele povo antigo?
-A Zé, cê faz pergunta demais.
Que povo antigo?
-Aquele tanto de gente.
-Um tal de Matusalém, um tal de Moisés, tem o Aarão, diz que tem até um tal de verbo.
-Uai Tião, que verbo é esse?
-Num sei, mais todo mundo tem de conjugar esse verbo na hora de morrer.
-Ahh, então nós tem de levar a nossa professora para o céu.
-Será que ela vai?
-Vai, ela entende tudo de verbo.
-Tião, e aqueles dois da Floresta.
-Que Floresta?
-Uai, aqueles que um saiu da costela e depois comeu uma maçã...
-Cê tá falando de Adão e Eva?
-Esses mesmo.
Adão deve ser um privilegiado lá, porque minha mãe falou que ele foi o primeiro.
-E a Eva?
-Essa foi a segunda.
-E porque que ela tá lá se ela comeu a fruta proibida?
-Ela foi perdoada.
-Pelo jeito lá todo mundo é perdoado.
-É.
-E porque nós come muita maçã e ninguém nunca falou pra nós que é proibido?
-Ahh, não sei.
-Zé, e aquele navio bem grandão que minha mãe falava quando eu era pequeno?
-O da enchente?
-É.
-Dizem que foi Noé que fez.
Eta velhinho bom de fazer navio.
Zé, na arca tinha insetos?
-Deve de ter tido um casal de cada.
-Mas inseto num voa?
-Voa.
-E porque eles tinha que tá na arca?
-Nossa, como cê faz perguntas.
-Ihhh Zé, nós tá esquecendo de uma coisa.
-O que é Tião?
-A Nossa Senhora Aparecida.
-Ela fica no céu também?
-Fica sim, uma vez minha Mãe cantou uma música pra mim dormir e eu dormia rapidinho.
-“Mãezinha do céu eu não sei rezar, eu só sei dizer que eu quero é te amar.”
Ocê viu?
Mãezinha do céu, Zé.
Se é mãezinha do céu, ela mora no céu.
-Será que ela participa do sorteio pra decidir quem vai e quem num vai morrer?
-Eu acho que sim.
-Dizem que ela é tão bela.
-Só veste de branco.
-Quando chegasse a minha hora eu queria que ela estivesse na porta do céu me amparando, Tião.
-É só pedir que ela atende.
-Ela gosta muito do terço.
O dia amanhece e a conversa rola solta na casa de Tião.
-Tião, será que aquele Homem que escreveu o apocalipto tá lá também?
-Eu apóstolo que ele tá lá.
-Foi ele que plantou os apocaliptos?
-Mais como ele escreveu aqueles horrores pra nós e depois ainda foi para o céu?
-Zé, tudo já estava escrito, ele apenas viu o que vai acontecer no fim do mundo.
-Mais eu acho que ele tinha que está aqui na hora.
-Zé toma jeito.
-É ele que faz aquelas quadrilhas no mês de junho?
-É.
-É ele que faz aqueles caminhos da roça e depois fala que é mentira?
-É.
-Tião, eu ainda tenho medo de morrer.
-Num pensa nisso mais não, Zé.
-Quando chegar a hora ocê pára de respirar.
-Mais aí eu morro.
-Uai Zé, mais quando chegar a hora, ocê vai morrer mesmo, seu trouxa.
-Ohh, aí ocê tá me ofendendo.
-Zé, porque que quando a gente morre, não pode levar o corpo.
-É porque lá num tem jeito de enterrar, Tião.
-Num era mais fácil São Pedro vir até aqui e transportar nós vivo, Zé?
-Mais aí ocê num morre, bobo.
-E se nós chegar lá e eles querer colocar osso novo em nós?
-Bobagem...
-O que será que eles fica fazendo lá no céu o dia inteiro?
-Sei lá.
-Zé...
-Zé...Zeéééé, acorda Homem de Deus.
-Não me deixe sozinho Zé.
Tião sacudiu o Homem até não poder mais e já cansado e com sono se debruçou sobre o corpo inerte de Zé e fechou os olhos.
Os dois haviam fechado os olhos para sempre.
Resolveram tirar todas as dúvidas com seus próprios olhos.
MAGNUN

Um comentário:

Ana Maria disse...

Parabéns! Mano, escreve um livro!
Belíssima história e engraçada. Muito interessante
Beijinhos!