PARTE XIII
BOIADA DE JOÃO PRETO
São Miguel do Passa Quatro até bem pouco tempo atrás, era
uma Cidade bem atrasada.
Ainda guardava ranços de Currutela.
Seu povo, muito
humilde, não tinha costumes de sair pra outra localidade, a não ser numa viagem
a passeio ou em casa de parentes.
Energia elétrica era
coisa para um futuro ainda bem distante.
A noite só se via
clarões de luz de vela, lampião ou lamparina.
Era corriqueiro passar
uma boiada inteira dentro da Cidade, porque não havia outra estrada e a boiada
precisava ser escoada para outras regiões.
Bastava um grito de um
peão lá em cima na serra, e pronto, todo mundo entrava pra dentro de casa e
trancava a porta.
As crianças eram
recolhidas, e os menos desavisados saíam correndo rumo ao lajeado, local onde
os Bois não passavam.
Uma boiada de médio
porte, às vezes ficava uma hora dentro da Cidade e as Vacas se desembestavam
rua abaixo.
Era uma correria só.
De vez em quando uma
Vaca entrava em um quintal ou até mesmo dentro da casa e dava um trabalho danado pra tirá-la de lá.
Conta-se que certa vez
aconteceu um fato que ficou gravado na memória dos mais antigos moradores de
São Miguel.
João Preto era um Homem
negro, humilde, antigo morador, que quase não saía de casa.
Gostava de vez em quando de ajudar a atravessar a boiada.
O que lhe rendia algum trocado.
Era um dos que chegava
gritando, avisando todo mundo que a boiada estava chegando.
Em um domingo, de
manhã, a população foi pega de surpresa com os gritos de João Preto, causando
alvoroço e terror em todos que conheciam a travessia da Cidade.
-O que estaria
acontecendo?
Não era costume passar
boiada nos fins de semana e feriados, porque a Cidade ficava lotada de
moradores de regiões vizinhas, que vinham fazer negócios com gados e também reverem
seus parentes.
-Iahhhúuuu...Iahúuuuuu...Vacaaaaa...
-Iahhhúuuu...Iahúuuuuu...Vacaaaaa...
-Ôooaaaa. Boiiiiiiii....
Era uma gritaria só.
O tumulto foi geral.
Todos se recolheram.
As crianças entravam
correndo, mães desesperadas a procura de filhos perdidos, as vendas e os botecos
fechavam, enfim, não ficava uma alma viva na rua.
Lá em cima os gritos ficavam cada vez mais fortes.
-Iahhhúuuu...Iahúuuuuu...Vacaaaaa...
-Iahhhúuuu...Iahúuuuuu...Vacaaaaa...
-Ôooaaaa.
Silêncio total.
Os gritos de João Preto, já duravam mais de duas horas.
-Deve ser uma boiada
muito grande.
Dizia um.
Mas ninguém tinha
coragem de espiar pela fresta da porta, tamanho era o medo.
O tempo passou e os
gritos só aumentavam, agora bem perto.
Quando se passaram
três horas, um menino não agüentando mais ficar fechado, abriu a porta e saiu
correndo para o meio da rua.
Sua surpresa foi grande.
Voltou pra sua casa
ofegante, abriu todas as portas, e aos poucos foi saindo gente pra ver o que
estava acontecendo.
No meio da praça,
estava João Preto tocava apenas um Boi Malhado, magro e bem manco, mal dava
conta de dar um passo.
-Iahhhúuuu...Iahúuuuuu...Vacaaaaa...
-Iahhhúuuu...Iahúuuuuu...Vacaaaaa...
-Ôooaaaa.
João Preto tinha um
trabalho danado tentando fazer o Boi estrupiado andar.
Ele ficou conhecido
como o homem que um dia assustou a população de Passa Quatro.
MAGNUN
4 comentários:
Bateu saudades! Bela crônica!
Provo que não sou um robô.
Parabens pelo blog e pela bela cronica...quero ver mais....
Muito bom ler sobre as raízes e sobre o local que minha querida avó falava com tanto carinho.
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